Decoração natalina quer resgatar a tradição do artesanato de Bananal (SP), sua economia, o turismo e a autoestima dos moradores; estão sendo gastos mais de 100 mil metros de fios e que estão transformando a vida de muitos voluntários
Bananal (SP), por Vinicius Ramos
Resgatar as tradições natalinas, a força do artesanato e levantar a autoestima através da inserção social em tempos de pandemia. O que seria apenas uma simples ideia, acabou se transformando no maior projeto voluntário da história da charmosa Bananal, no Vale Histórico de São Paulo. Com seus mais de 11 mil moradores, a cidade está sendo enfeitada com fios entrelaçados em diversas técnicas, como crochê, tricô, macramê, tricotin, bordado e em produções elaboradas em forma de arte efêmera.
Esse ano, a prefeitura trouxe uma proposta diferenciada para mostrar as belezas de Bananal nesse período natalino. Idealizado pela artista plástica Fernanda Fabiana Fajardo, o projeto “Natal Entrelaçados” conta com o talento de quase 150 artesãs voluntárias para enfeitar o portal de Bananal, três praças no centro, uma praça no Bairro Vila Bom Jardim e a entrada do bairro Rancho Grande. “No início era um sonho, uma vontade de resgatar o artesanato de fios numa proposta atualizada evidenciando as belezas da cidade. A cada pessoa que aderia era uma esperança de que seria possível. Foi e está sendo emocionante a aceitação das pessoas, um projeto feito pela população para a população, entrelaçando fios, acalentando corações e estimulando a economia” relata a artista plástica.
Árvore de Natal terá 5 metros e 1500 quadrinhos de crochê
Apenas uma das peças produzidas sob a curadoria de Fernanda Fabiana Fajardo vai receber mais de 1500 quadrinhos de crochê. A Árvore de Natal terá 5 metros de altura que usarão 22.500 mil metros de fios. Ao todo serão usados aproximadamente 100 mil metros de fios doados pela própria população, por alguns comerciantes e empresários. A cidade estará entrelaçada nesses fios, porém cada logradouro receberá uma produção projetada. A praça Pedro Ramos e a antiga Estação Ferroviária terão uma decoração mais tradicional, os outros espaços vêm com uma proposta mais tropical. De acordo com a curadora, o Natal de Bananal 2021 vai fugir dos tradicionais enfeites para enaltecer a paisagem natural com as cores e texturas dos fios, porém vai trabalhar o verdadeiro sentido do Natal. “A população está demonstrando UNIÃO, HARMONIA, PAZ e FÉ para produzir sua arte e provar seu AMOR pela cidade”, disse o secretário de Cultura e Turismo de Bananal, Pedro Grande.
Depoimentos de transformação pessoal, social e profissional
Em visita a cidade, a reportagem do Folha do Interior conheceu e conversou com algumas artesãs e pode ver de perto como Natal Entrelaçados está transformando Bananal. Ireni de Fátima Oliveira é uma das mais entusiasmadas. Ela explicou que o projeto está edificando a vida de muitas pessoas. “O projeto chegou para mim como uma cura emocional. Eu tive muitas perdas de entes queridos e com isso eu estava sem esperança na vida e uma dessas perdas foi do meu marido, pai do meu filho. Enfrentei um momento muito doloroso. Quando vi o link do projeto pelo Facebook, resolvi entrar no grupo e então me interessei em ajudar”, contou emocionada.
Ireni ressaltou ainda que a união da comunidade, o convívio diário e o trabalho para transformar a cidade estão sendo determinantes para o sucesso do projeto. “Com o tempo fui vendo essa união, essa força de vontade das pessoas em ajudar, aí comecei a ficar mais animada ainda. Eu ficava até emocionada em ver as pessoas com tanta força de vontade de fazer crochê para o projeto. Por isso, que eu gostaria de continuar ajudando porque está fazendo muito bem para mim. Esse projeto veio abençoado por Deus para mostrar os dons das pessoas que estavam escondidos”, contou Ireni.
Maristela Oliveira Iasbec é uma das que se entregou, literalmente, de corpo e alma, para o Natal Entrelaçados. Ela é considerada um dos pilares e braço direito de Fernanda Fajardo. “Em conversa com a Fernanda fui convidada a participar do projeto, fiquei tão feliz e animada que no mesmo dia peguei agulha de crochê e iniciei uma correntinha, depois de mais de 30 anos após o meu último contato com essa técnica. Esse tipo de trabalho manual não é o meu forte (risos), e a minha correntinha não foi para frente, mas eu acreditei tanto no projeto que resolvi me envolver com o que eu melhor sei fazer. Usei a minha rede de contatos para reunir e recrutar voluntários. E aí sim, encontrei o meu lugar no projeto”, conta ela em tom de alegria e entusiasmo.
Para Maristela, o projeto é uma das maiores ferramentas sociais que ela presenciou nos últimos anos. “Há anos não me envolvia em algo tão grande, e o fato de o projeto valorizar mulheres, valorizar a mão de obra local, artesanal e a tradição da nossa cidade, me deixou muito animada para ajudar tudo isso a sair do papel. Tem sido incrível e posso ver no rosto de cada voluntária a gratidão por estar participando. Tenho recebido relatos de que o projeto ajudou a superar angústia causada pela pandemia e de mulheres com autoestima elevada por estarem sendo reconhecidas e valorizadas”, relatou.
Edagmar Aparecida Souza da Costa Andrade contou ao Folha do Interior que fazer parte do Projeto Natal Entrelaçados, a princípio, foi um desafio. “Sempre quis uma forma de ajudar minha cidade, mas tenho uma vida reclusa, quase um eremita (risos). Essa proposta veio me tirar da zona de conforto, me fez sair da minha ostra e me enturmar, fazer parte de algo. E isso, está sendo gratificante e emocionante. Só tenho a agradecer”, enfatizou.
Feira de Artesanato ganha mais evidência e fortalece a economia criativa
O projeto está fomentando a economia criativa de Bananal com a Feira de Artesanato, onde os visitantes poderão comprar as produções e conhecer os artesãos envolvidos na decoração. A feira acontecerá nos dias 20 e 28 de novembro, 4, 12 e 19 de dezembro. Dia 4 a cidade receberá a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa com a ajuda do Transporte Generoso Mais Leve. “A abertura do Natal Entrelaçados será dia 19 de novembro a noite com apresentações e homenagens e a decoração se estenderá até janeiro”, revelou Fernanda Fajardo.
Artesanato quer mais espaço como força econômica e social
Em meados 1970, quando as primeiras artesãs começaram a produzir o crochê em barbante, elas não imaginavam que 50 anos depois, o que era apenas um hobby, se tornaria uma das principais atividades econômicas da pacata Bananal, no Vale Histórico de São Paulo e que faz divisa com o Estado do Rio por Barra Mansa. A cidade, que em meados de 1850 foi referência e a mais importante do Brasil, cresceu e enriqueceu-se com as fazendas de café. Bananal chegou a avalizar para o Império empréstimos feitos em bancos ingleses, chegando ao luxo de possuir, por algum tempo, moeda própria. Com a decadência do café, as fazendas passaram para a pecuária leiteira. Nestas transformações econômicas que ocorrem de tempo em tempo surgiu o artesanato, que é, hoje, a quarta força econômica do município. Em primeiro lugar destaca-se a pecuária bovina de leite e corte, em segundo o comércio, e, em terceiro, a indústria da madeira e moveleira.
“Uma porta aberta para que possamos alavancar o turismo e nossa cidade, diversificar o crochê, criando horizontes inclusive no vestuário, mostrar que nossa cidade necessita da ajuda da comunidade e que juntos podemos lutar pelas tradições artesanais como fonte de renda” disse Ana Amélia Tressoldi, uma das coordenadoras do projeto. A cidade de Bananal além de sua bela arquitetura histórica, sempre foi conhecida por seu artesanato em fios.
Para o prefeito de Bananal, Wiliam Landim da Silva, o projeto está ressignificando a tradição de Bananal para o desenvolvimento econômico e social e revela todo o entusiasmo da cidade. “O Projeto Natal Entrelaçados é um marco para nossa cidade, no âmbito social, econômico e no engajamento das pessoas com a cidade. Pois mostra a força e tradição do artesanato de fios com predominância do crochê. É uma alegria muito grande viver este momento”, disse.