Delegado de Barra Mansa questiona: quantas vezes ele foi condenado? Michel Floroschk faz duras críticas ao Direito Penal no Brasil: “A lei favorece o bandido”
Furtos a estabelecimento comercial, furtos a residência, ameaças, tentativa de homicídio, corrupção de menores, porte e posse de drogas, tráfico de drogas, posse e porte de arma de fogo de calibre restrito, lesão corporal, crimes contra integridade física. Tem mais: furto de veículo, receptação, furto outros, furto de celular, furto a estabelecimento de ensino, dano ao patrimônio público e dano a estabelecimento público municipal.
A extensa ficha criminal com 25 passagens pela Delegacia de Polícia é de um homem de 23 anos, que se diz morador de rua e é suspeito de ter arrombado, invadido e furtado, com mais dois comparsas, a Loja EDMais no Centro de Barra Mansa, no Sul do Estado do Rio, na noite deste sábado, dia 1. Ele e seus comparsas chegaram a ser levados para a 90ª DP, mas foram liberados. O delegado de Barra Mansa, Michel Floroschk, explicou que: “No caso da EdMais, não tínhamos vítima no momento da prisão. Os representantes da loja não apareceram e não tínhamos imagens do crime. Eram meros indícios e não dava sequer para fazer o flagrante”, explica. Michel citou o artigo 9° da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13869/19) que fala sobre decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais. A pena é detenção de 1 a 4 anos e multa. “Se lavro o Ato de Prisão em Flagrante sem vítima, eu quem seria preso”, justificou o delegado.
“A PM e Civil prendem e a audiência de custódia solta no outro dia”
Para tentar entender o caso, a reportagem do Jornal Folha do Interior procurou o delegado de Barra Mansa, Michel Floroschk, neste domingo, dia 2. Michel foi taxativo ao afirmar que casos como o ocorrido em Barra Mansa, no último sábado, estão ocorrendo em todo o país. O delegado fez duras críticas às leis brasileiras e, principalmente, as mudanças no Código de Processo Penal (CPP), que, segundo ele, favoreceram os bandidos. “Passagem pela polícia não representa condenação e reclusão no sistema carcerário. Quando ele foi condenado?”, questionou.
Michel explicou que, no entendimento do Código de Processo Penal, o crime praticado pelo suspeito (caso da Loja EDMais) é um crime sem uso de violência, sem provas, sem vítimas, e por isso, ele estaria solto. “A gente prende, encaminha para a audiência de custódia e no outro dia ele está solto. Por que não pedimos a prisão preventiva dele? Pelo simples fato de ser crime praticado sem violência e ameaça. É furto, simples assim. A lei entende que não é grave, é pena de um 1 a 4 anos. Não adianta por a culpa na Justiça. A culpa é do povo brasileiro. Vai lá no Oriente Médio roubar, o cara arranca sua mão. Furtou de novo, arranca a outra. No Brasil não, no Brasil é assim. Não adianta ser hipócrita”, critica Michel.
Acordo de Não Persecução Penal é uma ameaça, diz Michel
O tom de revolta do delegado de Barra Mansa tem explicação. As constantes alterações no Código de Processo Penal, principalmente, a Lei 13.964/2019 – “Pacote Anticrime” que incluiu o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no Código de Processo Penal.
Veja o que diz Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
Prisão preventiva
A lei anticrime alterou a previsão de decretação de prisões preventivas. Agora, o juiz não pode mais decretar prisão preventiva de ofício, sem provocação do Ministério Público ou do delegado de polícia. Em casos de prisão em flagrante, o juiz podia converter a prisão em preventiva de forma automática. Agora, é obrigatória a realização de uma audiência de custódia e a prisão só pode ser convertida se houver pedido do MP ou da polícia.
Delegado cita decisão sobre furto no STJ
O delegado Michel Floroschk citou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para confirmar suas declarações sobre a dificuldade de se trabalhar para a sociedade com a atual Legislação.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO TENTADO. ATIPICIDADE MATERIAL. NÃO CONFIGURADA. EXPRESSIVIDADE DA LESÃO EVIDENCIADA. RÉU REINCIDENTE. HABITUALIDADE DELITIVA. 1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A reincidência e a habitualidade delitivas têm sido compreendidas como obstáculos iniciais à tese da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal, sobretudo em casos de furtos famélicos, hipótese que não se apresenta. 3. Além do valor do bem subtraído ser de R$ 90,00, consistente em 9 facas, montante superior a 10% do salário mínimo à data do fato ocorrido (2016), foi reconhecida a reincidência na origem. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1917101/RS, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021)
Saiba como foi o furto
Um grupo de ladrões pode estar infiltrado no meio de moradores de rua de Barra Mansa, no Sul do Estado do Rio, para praticar furtos e roubos na região central da cidade. A suspeita é de policiais da 2ª Cia do 28° Batalhão de Polícia Militar, que após uma ação rápida, na noite deste sábado, dia 1, conseguiu recuperar um material que havia sido furtado da Loja EDMais, no Centro da cidade. O furto aconteceu por volta de 20 horas na Rua José Marcelino de Camargo. Oito (8) pares de tênis totalizando R$ 389,92 e uma mochila foram encontrados com um grupo de moradores de rua na esquina do antigo Restaurante Popular. Na delegacia, os suspeitos negaram, mas a polícia já tem informações que apontam para o mesmo grupo a suspeita de vários crimes no Centro de Barra Mansa.
Excelentes o conteúdo e o enfoque jornalístico