Musical, que celebra vida e obra da artista acontece na próxima quinta-feira (7)
Grande nome da música brasileira, compositora e intérprete de mão cheia, Leci Brandão é uma mulher à frente do seu tempo, pioneira em tudo o que tem feito em quase meio século de carreira. Para reverenciar sua vida e a obra, o espetáculo Leci Brandão – Na Palma da Mão se apresenta no Sesc Barra Mansa na próxima quinta-feira, dia 7, às 19h, a preço popular.
Com direção de Luiz Antonio Pilar e texto do jornalista e escritor Leonardo Bruno, o musical conta a trajetória desta grande artista. Primeira mulher a integrar a Ala de Compositores da Mangueira, e segunda mulher negra a ser eleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo, Leci assumiu a homoafetividade publicamente no fim dos anos 70, em entrevista ao jornal Lampião da Esquina, e, alguns anos depois, rompeu com a gravadora multinacional por não aceitar abrandar as letras contestadoras. É autora de sucessos atemporais como Papai vadiou, Isso é fundo de quintal, Essa tal criatura, Ombro amigo e Zé do Caroço, este último regravado por artistas tão diversos como Seu Jorge, Anitta, Mariana Aydar, Grupo Revelação e a banda de rock Canto Cego.
O espetáculo estreou em janeiro de 2023 no SESC Copacabana, no Rio de Janeiro, onde teve todas as suas sessões esgotadas, além de fazer uma temporada de sucesso no Teatro João Caetano, nos circuitos Firjan SESI Cultura, no Festival SESC de Inverno pelo interior do estado do Rio e uma curta temporada em São Paulo no Itaú Cultural. O musical atraiu um total estimado de mais de 5 mil pessoas com apenas 40 apresentações até agora.
As atrizes Tay O’Hanna e Verônica Bonfim interpretam Leci Brandão e sua mãe, D. Lecy, respectivamente, e Sérgio Kauffmann representa personagens masculinos presentes na vida da cantora, como o líder comunitário Zé do Caroço, inspiração de uma de suas músicas mais famosas.
A narrativa é construída a partir da relação entre mãe e filha, muito forte até a morte de D. Lecy, aos 96 anos, em 2019. “O espetáculo é contado sob o ponto de vista da mãe, referência maior na vida de Leci. São reminiscências dela. No espetáculo, às vezes, a mãe canta canções significativas do repertório da Leci para a Leci. Em Das coisas que mamãe me ensinou, fizemos uma alteração na letra ‘tudo isso é resultado das coisas que sua avó (ao invés de mamãe) me ensinou’: a avó da Leci ensina pra mãe, que ensina pra Leci e Leci deixa seu legado. A ideia foi construir um espetáculo cujo arcabouço mostrasse toda a tradição familiar e religiosa, o respeito e a educação de uma família preta, que a Leci traz”, resume o diretor Luiz Antonio Pilar.
O texto de Leonardo Bruno marca sua estreia no universo teatral: “Para a pesquisa que eu havia feito para o livro Canto de Rainhas (Agir, 2021) já me chamava a atenção como ela era muito avançada para a época. Os cinco primeiros discos, lançados na segunda metade dos anos 70, falam de coisas que estamos discutindo agora – mulheres, negros, LGBT, desigualdade social e por aí vai. E ainda foi corajosa ao romper com a gravadora que queria lhe impor repertório. As letras dizem muito sobre quem ela é, falam da sua história de vida, facilitou muito na hora de escrever”, conta. Para a montagem do espetáculo, o texto original ganhou adaptação dramatúrgica feita a seis mãos pelo diretor Luiz Antonio Pilar, a assistente de direção Lorena Lima e a diretora de movimento Luiza Loroza.
A simbologia do Candomblé, muito presente na vida da artista, é um dos fios condutores da dramaturgia. Filha de Ogum e Iansã na religião africana, Leci passou cinco anos sem gravar desde que se afastou da Polygram, por não aceitar reescrever suas letras. Em uma consulta às entidades no terreiro, ouve que tudo ficará bem. Ela assina com uma gravadora nacional, grava um disco com seu nome e estoura. Em agradecimento, todos os seus discos a partir de então tem uma saudação a um Orixá. “O espetáculo está estruturado dessa forma. A primeira saudação é para Exu, para abrir os caminhos. A todo momento esses Orixás vêm e assim vamos alicerçando a cena”, explica o diretor.
Grande parte dos 17 números musicais do espetáculo são composições de Leci Brandão, como A filha da Dona Lecy, Ombro amigo, Gente negra e Preferência. Outras, como Corra e olhe o céu, de Cartola, e o samba-enredo da Mangueira História pra ninar gente grande, campeão de 2019, são significativas na trajetória da artista. Além do trio de atores, que também canta, estão no palco quatro músicos que tocam ao vivo – Matheus Camará (violão, clarinete e agogô), Thainara Castro e Pedro Ivo (percussão) e Rodrigo Pirikito (violão, cavaquinho e xequerê). “Eu trouxe para fazer a direção musical o Arifan Junior. É uma figura onipresente nas rodas de samba da cidade e tem feito com o Awurê um resgate muito importante dos sambas religiosos, de reafricanizar o samba, mas também para dar um caráter mais orgânico e verdadeiro à parte musical, trazendo o clima de uma roda de samba real, com menos rigor e apuro, como em geral é visto nos musicais”, define Pilar.
O espetáculo não tem uma linha cronológica e faz algumas licenças poéticas, como a troca da música Cadê Marisa?, com a qual Leci ganhou um festival ainda bem jovem, por Papai Vadiou. “Minha intenção maior foi sempre integrar a música, o figurino e o cenário numa coisa só, uma concepção global, em que tudo se relaciona”, conta o diretor. Dentro desse conceito, a cenógrafa Lorena Lima, homônima da assistente de direção, detalha a ambientação cênica: “A árvore, de 2,50m, rodeada por pedras, é o destaque do cenário, que será um grande quintal, um terreiro em tons terrosos e verde, com o chão todo coberto de folhas secas de mangueira”. Dessas folhas, surgem peças do figurino criadas por Rute Alves, que serão usados pelos atores, que não saem de cena durante o espetáculo.
Leci Brandão estendeu sua luta política para o plenário e, já radicada em São Paulo, filiou-se ao PCdoB e foi eleita deputada estadual em 2010 com 86.298 votos. Atualmente em seu quarto mandato, recebeu 90.496 votos em 2022. Aos 78 anos, segue ativa na música e na vida parlamentar, conclamando o povo para levar na palma da mão a luta pelas causas de todos os marginalizados.
O espetáculo tem duração de 80 minutos e classificação indicativa de 14 anos. O ingresso custa R$10 a inteira e R$5,00 meia-entrada, que é ofertado em casos previstos por lei, professores e classe artística com documento comprobatório. A entrada é gratuito perante credencial plena, crianças e jovens até 16 anos e PCG. O local oferece acesso para pessoas com necessidades especiais.
O Sesc Barra Mansa fica na Avenida Tenente José Eduardo, nº 560, no Ano Bom.